sábado, 27 de novembro de 2010

O eu e o id: segunda teoria pulsional


O mal-estar reside no fato de que ao mesmo tempo em que a instância psíquica supereu possibilita a ligação do sujeito com a cultura, leis, sociedade, também é responsável pelo sentimento de culpa, frustração e exigências inalcançáveis que nós impomos a nós mesmos...

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Alain Badiou: sobre la reinvención del amor


La reinvención del amor:

–Usted es uno de los pocos filósofos contemporáneos que ha introducido en su reflexión algo único, es decir, el amor. Usted repite a menudo que es preciso reinventar el amor. ¿Cómo se hace eso?

–El amor es un gesto muy fuerte porque significa que hay que aceptar que la existencia de otra persona se convierta en nuestra preocupación. Mi idea sobre la reinvención del amor quiere decir lo siguiente: puesto que el amor se refiere a esa parte de la humanidad que no está entregada a la competencia, al salvajismo; puesto que, en su intimidad más poderosa, el amor exige una suerte de confianza absoluta en el otro; puesto que vamos a aceptar que ese otro esté totalmente presente en nuestra propia vida, que nuestra vida esté ligada de manera interna a ese otro, pues bien, ya que todo esto es posible ello nos prueba que no es verdad que la competitividad, el odio, la violencia, la rivalidad y la separación sean la ley del mundo.

El amor está amenazado por la sociedad contemporánea. Esa sociedad bien quisiera sustituir el amor por una suerte de régimen comercial de pura satisfacción sexual, erótica, etc. Entonces, el amor debe ser reinventado para defenderlo. El amor debe reafirmar su valor de ruptura, su valor de casi locura, su valor revolucionario como nunca lo hizo antes. No hay que dejar que el amor sea domesticado por la sociedad actual –que siempre busca domesticarlo–. En otros tiempos, las sociedades clericales y tradicionales buscaron domesticarlo por el matrimonio y la familia. Hoy se busca domesticar al amor con una mezcla de pornografía libre y de contrato financiero. Pero debemos preservar la potencia subversiva del amor y apartarlo de esas amenazas. Y ello es extensivo a otras cosas: el arte debe también apartarse de la potencia del mercado, la ciencia igualmente. Allí donde hay un pensamiento humano activo y desinteresado hay un combate para liberarlo de los intereses.

–Usted también dice que el amor es un proceso de verdad.
–El amor saca a la luz lo que es una diferencia. En el amor aceptamos ponernos de a dos para explorar no ya lo que creían los románticos, es decir, la fusión, sino lo que es aceptar la diferencia del otro, aceptarla apasionadamente.
El amor es todo lo contrario del individualismo que nos proponen. Se nos propone una soberanía del individuo, pero en realidad el individuo sólo es soberano de sus propios intereses. En cuanto hacemos algo interesante dejamos de ser soberanos. Si realizamos una demostración matemática los otros matemáticos vendrán a verificar que es cierta, dependemos de ellos. En el amor ocurre lo mismo. La soberanía es compartida con la presencia del otro. La idea de la soberanía individual es pobre porque excluye las actividades interesantes de la vida humana. El individuo se vuelve creador cuando acepta dejar de ser soberano.






segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Tomo II – Manifesto pelo amor: o antimanual de autoajuda

Como encontrar e reconhecer a sua alma gêmea?

Em Brida, Paulo Coelho manda que procuremos um ponto de luz logo sobre o ombro esquerdo.. talvez direito. Brincadeiras a parte, como bons adultos racionais devemos nos informar, antes de qualquer coisa, do número da conta bancária do sujeito. Aí já teremos um bom indício e livrai-nos de tentação e de todo o mau. Assim, pouco importa a fantasia e o desejo sensível. Tudo se resume aos cálculos, números, planilha, por-no-gráfico. Não necessidade do erótico, ele requer imaginação demais. Fique apenas com a imagem-ação. Não pergunte quem é. Nem adianta perguntar mesmo, a essa pergunta as pessoas sempre respondem o que fazem. Quem é? “Sou médico”. Legal... Poderia ter continuado.. Qual a especialidade? E então, como diria uma boa anedota, aprendeu tanto sobre o lóbulo direito que sequer imagina existir um esquerdo também. De igual forma, não olhe nos olhos, somente o cartão de visitas.

Ok, paremos então com as piadas, se você quiser encontrar e reconhecer sua alma gêmea, que tal comprar um espelho? Olhe bem, no fundo dos olhos. Talvez você veja o ponto de luz descrito pelo nosso membro da academia brasileira de letras. Agora, se você quiser realmente saber-se amando, dê uma olhadinha na Crônica do Amor, do Arnaldo Jabor: “Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

[...] Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.”. Embora se costume dizer que amor é prosa e sexo é poesia, acreditamos que o amor é a junção da loucura com a poesia. Amamos um outro não porque é bonito ou feio, porque gosta de rock ou samba, mas pela sensação de des-cobrimento do nosso próprio ser. Portanto, passe a racionalizar menos e a sentir mais, o jeito como sorri, o jeito como olha, os calafrios, a vontade de viver, de alegria, de constante mutação, re-des-cobrimento.
Sobre o telefone:

Sente-se ao lado do telefone e espere. Não durma, ele pode ligar. Também não tire o telefone do gancho para ver se realmente está funcionando. Ele pode ligar. E o tempo parece que não para, demora a passar. E então, o telefone toca. O coração dispara. O pescoço fica tomado de sangue. Mas mãos gelam e, contraditoriamente, suam frio, muito frio.

- Alô, Joana? Aqui é a fulana, tudo bem? Vamos ao cinema hoje?

- Ai amiga.. gostaria tanto.. mas é que hoje, hoje,... (e se começa a pensar numa desculpa).. é que.. preciso cuidar do meu gato, que está com uma enxaqueca, acho, o coitado não para de miar. Por sinal, começou a chorar agora, preciso ir.. depois te ligo. Beeeeeeeijo...

E aí ela volta a pensar, tomara que ele não tenha ligado nesse exato minuto.. Não, não, a linha teria chamado. Mas esse treco de chamar baixinho funciona mesmo? E continuou a esperar.
Agora vai a dica: prefira morrer na praia a começar a nadar. Vai que sempre aparece depois um salva-vidas para jogar uma boia... Quando o cidadão tá afim, ele nunca vai te deixar esperando, acredite. Ele irá atrás independentemente de qualquer empecilho. E se ele não tiver seu número? A lista telefônica tem. E se não souber seu nome? Alguém saberá. Ele dará um jeito, você querendo ou não. Descobrirá os locais que você frequenta, criará coincidências. E sempre nos vem a mente: e se ele não tiver coragem? Ele tem, se tiver afim, tem coragem, pode apostar. Talvez até exista uma exceção, mas provavelmente não é você. E de mais a mais, se não tiver coragem, tampouco vale a pena. Quando um cara tiver afim, pode saberá, acredite. Portanto, saia de perto do telefone e vá fazer algo que te apaixone.

Comprometimento: e quanto aos caras casados?
É, bem sabemos, provavelmente ele te prometeu tudo, desde largar a mulher até uma viagem juntos, certo? Te ama infinitamente, mas não tem coragem de deixar a esposa, os filhos.. jura com os pés juntos que não ama mais a esposa, mas somente a você, correto? Sinceramente, fique longe dos casados, nunca se sabe quando um fling vira um thing.. ou seja, caso um flerte pode virar uma paixão. Não falamos por consideração moral, religiosa, bons costumes. Falamos porque se deve ter amor próprio, antes de qualquer outro. Alguém já conheceu um homem que realmente largou a mulher pela amante? Ah, sim, a amiga da amiga da amiga da amiga. E por acaso também ainda se acredita em papai noel e coelhinho da páscoa? Jo no creo em brujas, pero que las hay, las hay? No, No. Se você vier a se apaixonar, irá se arrepender...

A continuar no tomo III. Espera as III se reunirem novamente, sob uma lua cheia nada qualquer.

domingo, 21 de novembro de 2010

1968: Chico Buarque

"O velho sem conselhos

De joelhos
De partida
Carrega com certeza

Todo o peso

Da sua vida
Então eu lhe pergunto pelo amor

A vida inteira, diz que se guardou
Do carnaval, da brincadeira

Que ele não brincou

Me diga agora
O que é que eu digo ao povo

O que é que tem de novo

Pra deixar
Nada
Só a caminhada
Longa, pra nenhum lugar



O velho de partida
Deixa a vida
Sem saudades
Sem dívidas, sem saldo

Sem rival

Ou amizade
Então eu lhe pergunto pelo amor

Ele me diz que sempre se escondeu

Não se comprometeu

Nem nunca se entregou

E diga agora

O que é que eu digo ao povo

O que é que tem de novo

Pra deixar
Nada
E eu vejo a triste estrada
Onde um dia eu vou parar



O velho vai-se agora

Vai-se embora

Sem bagagem

Não se sabe pra que veio

Foi passeio

Foi Passagem

Então eu lhe pergunto pelo amor

Ele me é franco

Mostra um verso manco

De um caderno em branco

Que já se fechou

Me diga agora

O que é que eu digo ao povo

O que é que tem de novo

Pra deixar

Não

Foi tudo escrito em vão
E eu lhe peço perdão
Mas não vou lastimar"


(O Velho - Chico Buarque, 1968)

Dedico ao amanhecer de hoje, ao "que" de indígena norte-americano e aos que estiveram, souberam, leram e interpretaram, conforme suas próprias declarações.

sábado, 20 de novembro de 2010

Tomo I - Manifesto pelo amor: o antimanual de autoajuda




Tudo começou numa mesa de bar. Três mulheres ao som de Djavan. Por (L.), (B.) e (F.), um manifesto em vários tomos-novela, dedicado a todas as amigas que nos ligam durante a madrugada, manhã, tarde e noite. Obviamente que as inspirações não são transcendentais. Aqui, calhou de, em uma noite de belíssima lua cheia, ouvirmos a música “Se”, do Djavan. Já prestaram a devida atenção na letra? Vale a pena, irá se surpreender.. talvez eu leve a sério, mas você disfarça... Ao mesmo tempo em que ouvíamos essa música, o assunto que sempre termina em patifaria miúda, como diria (F.) se voltou ao recorrente questionamento que sempre se escuta:

- Sim, estou solteira.
.
- Você está sozinha? Ah, não se preocupe, logo irá encontrar alguém...
.
- Estou solteira... não sozinha...
.
- Então não entendi.. solteira, sozinha, tanto faz, são sinônimos mesmo, ué.

Ok, logo vai entender, vamos explicar, aos poucos. Esse é apenas o tomo I de um manifesto pelo amor. Não é um texto de autoajuda. Nem pudera. Quem está perdido não quer ajuda e só pode ajudar a se perder. Mas o que não queremos é beijar sapos esperando que virem príncipe encantados (leia-se: mergulhar em romances somente por certa carência, que, por esse motivo, estão fadados a morrer). In fact, não acreditamos em alma gêmea, “feitos um para o outro”, “não posso viver sem você”, ou então, como cantou Adriana Calcanhoto: “avião sem asa, fogueira sem brasa...sou eu, assim sem você”, ou, ainda, como diria Carla Bruni: “Je suis ton pile, tu es mes faces, toi mon nombril et moi ta glace – eu sou tua coroa e tu minha faze, tu és meu umbigo e eu teu gelo”. Sim, sem você eu vivo. Talvez sofro, mas vivo. E aí o sopro.

Antes de entrarmos nas subdivisões, por hora (hoje), gostaríamos apenas de dizer que as palavras “solteiro” e “sozinho” não são sinônimas. Primeiro porque ninguém nunca está sozinho, embora muitas vezes nos sentimos sós (então aprenda a roubar a vida. Já diria Lou Salomé: “ouse..ouse tudo!...acredite: a vida lhe dará poucos presentes. Se você quer uma vida, aprenda a roubá-la!). E de mais a mais, ser solteiro não é ruim. É um estar consigo mesmo, descobrir-se por inteiro, colocando-se sempre aberto ao amor, na loucura e na poesia.

... a continuar, muito brevemente... hoje, finalizamos como Lou Salomé.. (o assunto mudou quando a mesa se aumentou...).

Ouse, ouse...ouse tudo!
Não tenha necessidade de nada!
Não tente adequar sua vida a modelos,
nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém.
Acredite: a vida lhe dará poucos presentes.
Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la!
Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer.
Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso:
algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!
(Lou Andreas-Salomé)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Carta de Buenos Aires 2010


Carta de Buenos Aires, Reunião Internacional da Casa Warat


Buenos Aires, una noche fría a finales de octubre de 2010


Carta literária do Encontro Anual da Casa Warat, ocorrido nos findos dias de outubro, do ano de 2010 (dois mil e dez), en “Mi Buenos Aires, tierra florida”. A reunião começou um dia após o Cabaré Macunaíma, realizado nos arredores de Maipú. Na capital argentina, o frio era marcante e o vento deixava ainda mais gélidas as noites ébrias. Na envolvente mistura de calor humano e frio porteño, ainda inebriados pela noite em Cabaré, deu-se início a reunião.

Estában Isabela, con su hermoso pelo rubio, Leilane, con sus belos ojos pintados, Mariana con su pelo rojo claro y sus 19 años, y Jaqueline, con su pelo nero, como los de Paula. Quizás era de ellas que hablava Chico Buarque quando escribió la canción “João e Maria” ("a noiva do caubói era você além das outras três…"). Ah si, estában también los chicos: Levy, con su buen humor y su abrazo colectivo, André, con su barba, sus 20 años y su sensibilidad, Eduardo, con sus rizos pero sin su sombrero porteño, Leopoldo, con el cuidado con los otros que solo él lo tiene, argentino que habla palabras que todos las compreendem. Y claro, estaba nuestro queridíssimo Luis: lleno de energia, de projectos, com sus ideas increíbles, su poder de congregar personas y de instaurar una atmosfera mágica al su rededor. Brindava a todos palavras estéticas y afectivas que, como siempre, nos encantavam y nos nutrían a todos.

O local escolhido: El Gato Viejo. No meio do improvável e do impossível, fez-se um restaurante em delírio na antigua estación de tren, no atelier de Carlos Regazzoni. Levy pede uma garrafa de vinho, quer apresentar a todos “Angelica Zapata”. Alguns preferem refrigerante, como Isa, Leilane e Mariana. Antes de chegarem os pratos, Leopoldo lança a primeira pergunta para instigar a reflexão: ¿qué nos une?

Jaqueline logo pega papel, pedacinhos de uma cartolina amarela, cheirando a tabaco, anteriormente cortados, e distribui para todos que estão na mesa, para que possam escrever suas reflexões. As respostas, que saem de forma fragmentada, complementam-se. Leopoldo lê os bilhetes escritos em espanhol, Jaqueline aqueles em português.

A resposta era polifônica, com argentinos hablando português y brasileños falando em espanhol, mas parecia ressoar uma só voz. O que nos une? La vontad de construir un mondo en donde cada uno es un encontro con los otros. Nos une la búsqueda. Pela realização livre do espírito. Pela intersubjetividade perdida na modernidade. Por uma nova sociedade, mais humana e menos castradora. Por puertas hacia nuevos mundos. Por afinar sensibilidades. Pela despinguinização dos espíritos dos estudantes e por um reconhecimento que não precisa de mitos, teorias, hermenêutica e lei para se realizar. Nos une el deseo de transformar. A crença no poder das alterações moleculares. Nos une la afectividad y la necessidad de construir un mundo diferente.

Nos une a recusa da desumanização e a esperança de mostrar que é possível viver afetivamente com os outros. Nos une a leveza das relações que se constituem como um respeitoso entre-nós. Nos une a inquietação perante o mundo e a tentativa constante para melhorá-lo e nos melhorar como seres humanos sensíveis. Nos une el interactuar entre nosostros para enriquecernos en nuestros espíritos para sermos mejores personas y brindarnos a nuestros semejantes.

Nos une a busca do entendimento de nós mesmos a partir do Outro e a busca do entendimento do Outro a partir de nós mesmos. Tomar o Outro a partir de nós mesmos. O Outro como uma extensão do Eu. A exsurgência do entre. A aurora da sensibilidade. A nascente do sensível. Nos une la tentación de unir/nos en una subjetividad que nos pertenezca para sustener/nos. No nos une el amor sinó el espanto (Borges). Nos une a vontade de um pluri-verso de significações voltadas sempre ao novo, à constante transformação. Nos une a sensibilidade, sabermos que não estamos sós, mas juntos pela construção da vida carnavalizada e repleta de sentimento de amor.

Nos une a tentativa de fazer triunfar a alegria sobre a tristeza, a pulsão de vida em um mundo em que prevalece a pulsão de morte. Nos unimos para compreender e transformar a pedagogia, enquanto momento de descobrir e redescobrir a nós mesmos e o Outro, numa perspectiva criativa, emancipatória, amorosa, erótica e transformadora. Qué nos une es el sentimiento de querer ser no un “yo” o un “otro”, sinó un “entre”. Una relación, un devir.

Pausa. O primeiro prato chegou: peru, já passado por outras mesas e bocas, temperado com cenoura, café e chocolate. Regazzoni cria as receitas de forma espontânea e plástica. Era o prato frio, depois viriam os quentes. Warat elogia o vinho. André descobre que é de uma safra de 1995. Levy e André tiram foto com o vinho, que não é tomado em taças convencionais, mas em pequenos copos de vidro. Tudo era inesperado e surrealista, como tinha de ser. Leopoldo, entonces, hace la segunda pregunta: ¿qué nos molesta?

Nos molesta el poder, el paradigma racionalista, el robo de la sensibilidad. Nos molesta o desejo pelo consumo, o fazer-se no consumo. Os micro-fascismos. A reverência a tradições vazias, a estética da forma burocrática de destruição do eu pelo enquadramento a padrões, hábitos copiados, sonhos pasteurizados, vidas vazias e o hedonismo que não transcende a forma. Nos molesta a insensibilidade, a indiferença. O sentir-se sozinho em lugares cheios. Nos molesta a pressa com que vive, sem se prestar atenção ao que se sente e ao que o outro sente. Nos molesta a repressão do espírito em todas as sua manifestações.

Nos molesta a idéia de degraus invisíveis que nos afastam – pois paramos de nos ver como iguais, como humanos. Nos molestan las divisiones, las separaciones, las etiquetas. Nos molesta la falta del deseo para perseguir una passión que nos mueva el corazón. Nos molesta o uni-verso estático e imutável, o que não tem devir. A tentativa de transformar sentimento em racionalidade, a modernização que transforma humanos em objetos homogeneos e pasteurizados.

Nos molesta uma vida sem poética, sem sonho, sem imaginação, sem criatividade. Nos molesta el egoísmo, la falta de solidariedad. Nos molesta o imperativo da razão, uma razão fria, cartesiana, que nos amputou a sensibilidade, que nos anestesiou a todos.

Segunda pausa. O segundo prato chegou: em forma de pato, vindo direto da cozinha para nossa mesa, sem escala e sem escolha. Depois veio polvo e também javali. Levy acende o charuto. André, o cachimbo. Leilane, o cigarro. Bééééhhh… Em meio à fumaça dos sonhos e à voz inebriante da mulher mais divertida e fogosa do recinto, entovam-se cantos líricos y abrazos colectivos. As luzes apagadas incendiavam delírios cabaréticos. Havia muitas cores, nas esculturas, nas paredes da sala, nos olhares trocados, nos livros espalhados, nas cidades internas.

Un despliegue de sensasiones diarios que se desdoblaran y hablaran con figuras en lenguajes del amor. Eram velas que dançavam um samba infinito, em meio à cidade do tango. Era la sensasión de estar delante un mar totalmente desconocido de colores diversos y que permite percibir una línea en el horizonte, sin que sea possible identificar su inicio y tampoco su fin. Em Buenos Aires encontrou-se esse mar. Um delírio? Sólo para los que no creen en los devenires, para los que se quedan en la racionalidad hermetica, cerrada en si misma. Sólo para aquellos que no perciben que, si no hay un “entre”, entonces están solos y nada són.

Cartografamos sentimentos, devires em meio à noite estrelada. Sensasiones fuertes y lindas, de alteridad y fraternidad. Luces, musica, danza, poesia, abrazos, besos y emoción. Reconheceram-se, desde logo, pelo olhar. Aquilo não tinha fronteiras, a amizade. Nenhuma língua ou sotaque seria capaz de impedir o entendimento, e o sentimento. O encontro puro. Sutil. O “entre” que se formou. O olhar bastava. A vontade bastava. A alegria bastava, assim como o sentimento de vida. Estava vivo. Juntaram-se a nós Inês, Glória, Marta Gama, André Coppeti, Alexandre da Rosa, Albano Pepe. Nem todos fisicamente, mas a nós se uniam pelo sentimento, presença essa que é ainda mais vivaz.

Todos formaban un grán rizoma, em que se diluem as fronteiras entre o virtual e o real. E rapidamente construíram-se idéias de esperança. Não havia censuras e o acolhimento foi completo. Reinava, soberano, o apetite de mudar, de amar, de viver. Não poderia existir construção vazia em meio tão fecundo. Naqueles papeles amarillos despejaram-se desejos comuns, que todos compartilhavam sem saber, mas que podiam intuir, sentir. Verdadeiro encontro. Revolução molecular.

A cidade ainda chovava em luto, mas a alegria reinava absoluta na Casa que construía esperança. A Casa que não tem uma casa. Não tem porque não precisa ser física. Ela é em qualquer lugar, onde se estiver, onde se quiser. En qualquer lugar donde se creea en en poder transformador de la sensibilidad. Nossa casa é movil, é nômade. Ela dança em ritmo de samba. Dança tango, flamenco y mismo la musica gitana. É uma fusão de cores, de sons, paladares e sentidos. É pura sensibilidade e está sempre aberta para quien crea en la revolución de un abrazo. De um beso. Quien así creer, entenderá (sentirá) essa Casa.

A nossa Casa é a anti-casa. O inverso do tijolo racional, do cimento solidificante, do concreto estático, da parede segregadora, do teto hermético, do chão geométrico, da porta com trancas, da janela com grades. A negação da casa cartesiana, morada da Razão, essa insustentável, estúpida e inválida habitação.

A nossa Casa é a Utopia, no sentido literal da palavra: o lugar nenhum. Ao mesmo tempo, é um eterno devir de imaginações poéticas, de possibilidades do que foi, do que nunca é e do que pode vir-a-ser. É a continuidade do eu no outro. Declaramos que o ser-em-si-e-para-si está morto. A Vida se dá no ser-com-outro, no ser-para-outro, no ser-entre. E ela não admite racionalização, solidificação, objetificação e reificação. A Casa é a nossa resposta a um mundo no qual a Vida se tornou utópica. A nossa Casa é às avessas: não somos nós quem nela moramos, mas é ela quem em nós habita.

Substitui-se o tijolo pela sensibilidade, o cimento pelo abraço, o concreto pelo beijo, a parede pela poesia, o teto pelo tato, o chão pela arte, a porta pelo outro e a janela pelo olhar. Constrói-se a casa waratiana, a casa nômade. Y que está abierta a todos los que en ella quiseren entrar.
Carta literária e patafísica, lida e passada numa noite fria, em meio a catacumbas, ao inesperado som de um piano…

sábado, 13 de novembro de 2010

El Secreto De Sus Ojos

Como se hace para vivir una vida vacía

B. - Me diga o que achou.
I. - Bom, é um romance, não? E num romance não é preciso dizer a verdade. Nem sempre é verossímil.
B. - Sim... não, não...o que não é verossímil?
I. - Ah, Benjamín! Aquela parte, quando o cara parte para Jujuy. Ele chorando, como se fosse uma perda! E ela correndo pela plataforma como se estivesse perdendo o amor de sua vida, tocando-se as mãos através do vidro, como se fossem uma única pessoa! Ela chorando, como se soubesse que lhe esperava um destino medíocre, sem amor. Quando caindo sobre os trilhos, como se quisesse gritar-se um amor que nunca tinha confessado!
B. - Sim... mas foi assim, ou não foi assim?
I. - E se foi assim, por que não me levou com você? Seu lerdo.
I. - E como vai continuar a história?
[...]
B. - Eu não quero deixar passar tudo de novo. Como pode ser? Como é possível que não fiz nada? Há vinte e cinco anos que me pergunto e há vinte e cinco anos que respondo a mim mesmo: foi outra vida, já passou. Não pergunte, não pense. Não foi outra vida, foi esta! É esta. Agora que entendi isso, como se faz para viver uma vida vazia? Como se faz, para viver uma vida cheia de "nada"? Como se faz?
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Uma das partes mais belas do filme mas, ao mesmo tempo, me põe a refletir. Passou-se uma vida inteira, vinte e cinco anos, uma vida de vida vazia. E aí, vazia porque no amor, a matemática muda: 2 - 1 não é = 1, mas "0".
Tocam-se as mãos como se fossem uma única pessoa e assim, quando um parte, perde-se "metade". Por mais que me toque profundamente, não acredito na possibilidade de esse amor que perdura no tempo, à distância e somente um sentimento avassalador de perda do que se deixou para trás. Arrependimento. A cada segundo mudamos, nós mesmos e o outro. Já não somos mais o que somos, não somos absolutamente nada, mas um conjunto que se transforma e reinventa em todos os milésimos de segundo. Se eu já não mais sou eu, o outro tampouco é outro.
E ainda assim, ama-se a imagem congelada de um outro no tempo. Captura-se. Mata-se o outro definindo-o num algo que ele não mais é e talvez nunca tenha sido, mas que apenas minha imaginação criou. Passou-se vinte e cinco anos amando aquele "picolé" que provavelmente já derreteu ou já saiu da validade.
O gosto mudou...
O paladar se refinou...
Choro, então, meu próprio vazio existencial, que nesse momento muito tem me incomodado. Mas nunca de amor congelado. E por isso sempre digo que a maioria das pessoas nunca vão voltar para um ex. Pode-se até voltar, mas somente até perceber que a nova pessoa, que também está sempre em constante transformação, não mais corresponde à imagem perdida no tempo e no espaço que mantínhamos em nossa cabeça. E por isso, o mais importante de tudo é viver os sentimentos, sem definí-los, sem matá-los, sem medo. E assim, sentir até sufocar. E viver intensamente significa tão somente viver a intensidade dos sentimentos. Significa permitir-se. Se abrir para sentir. Porque será impossível sentí-los no futuro, após se ter embarcado no trem.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Confundia-se. Quase autista, pegou a cópia d'um livro que nunca leu, que nunca leria. Uma caneta brinde que manifestava a vontade de não funcionar. No mesmo instante em que (f.) cantava a bênção de seu orixá, o samba ressoava ao fundo e se fundia à canção de solidão entoada involuntariamente pelos lábios de (I.). A melancolia somente foi se dissipando aos pouco e muito lentamente. Elle percebia o vazio do próprio ser, numa dita psicanálise coletiva que a fez perceber que ela não era mais a sedutora que se perdia no espelho dos próprios signos. E aí se lembrou d'uma conversa em que lhe foi dito que a segunda possibilidade de se conhecer um eu-nunca-eu é quando se sente. Ou, como se pode preferir, quando se ama. Embora o ama somente pode definir e cerrar o sentimento que, quando não aprisionado em um signo, dança tango, samba, rock, canta, envolve, desenvolve... com maior ou menor intensidade. Aparece um outro que nunca será amado-sentido por si, mas pela sensação de descobrimento que permite a que sente, fazendo com que percebemo-nos nossas reservas inconscientes, vontades, sonhos, fantasias e uma possibilidade de um eu-renovado, jogado no tempo e no espaço, no nada-todo, no futuro, num vir-a-ser algo. Uma vontade. E assim, tornou-se elle autista alegre e melancólica, que sonhou acordada mas que dorme na realidade que não se recorda ao despertar, sem perder a calma e a tranquilidade ante a perspectiva. Pois elle sabia, fingia que sabia, fingia que não sabia. No fundo, nada nunca soube, pois sempre duvidou de tudo. Justamente, a dúvida de não saber se sabe ou se não sabe é que a-tormenta e faz chover. Um brinde regado a Mercedes Sosa - Todo cambia.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Os "dois" irmãos


"- Entendo demais, Ivan: a gente quer gostar com as entranhas e com o ventre, tu o disseste magnificamente e estou muitíssimo feliz por te ver com tanta vontade de viver - exclamou Aliócha. - Acho que todos no mundo devem, antes de tudo, passar a amar a vida.
- Passar a amar mais a vida que o sentido dela?
- Forçosamente é assim, amar antes que venha a lógica, como tu dizes, forçosamente antes que venha a lógica, e só então compreenderei também o sentido. É isso que há muito tempo eu já entrevia. [...]"
(Os irmãos Karamázov - Fiódor Dostoiévski)

sábado, 6 de novembro de 2010

Senti-me só. Acordei. Senti-me só. Levantei.
Senti-me só. Vi uma luz no fim do horizonte. Um sol de dia claro, de uma manhã tranquila.
Um olho que não desviava de meu olhar. Sentiu-me. Piscou. Siga. Siga-me.
Senti-me só. Tão só. Sozinha.
Em meio a tudo. Tornei o abstrato em concreto. Defini.
E matei tudo. Não havia mais nada. Senti-me só.
Eu mesma não era nada. E se não era nada. Era tudo. Era. E se era tudo, tornei-me nada.
Senti-me só. Só. Tão só. Sozinha.
Me embriaguei de vida. Mergulhei no abismo da poesia.
Me afoguei. Solucei. Senti-me só.
Me perdi para me encontrar. E aí, me encontrando, me perdi. Senti-me só.
Sente-me só. Sinta-me só.
Faça-me companhia. Afague-me. Diga-me que tudo passa, que basta sentir.
Acalenta-me. E jamais serei tua.
Vou com o vento. Voo com o vento. Sem rumo.
Sinto. E podes ser meu vento. Leva-me. Lave-me. E aí jamais te deixarei.