quarta-feira, 21 de março de 2012

Cedendo espaço...

Hoje vi um menino olhando atentamente o sol brilhar da sua janela. Seus olhos pareciam longe. O pensamento voava e nele repousava uma sensação de alívio, diante daquele maravilhoso dia que anunciou o fim da tempestade passada. O canto dos pássaros se tornou trilha daquela manhã. A rua ainda deserta era palco de mudanças e abria espaço para os transeuntes que aos poucos apareciam. Nada era em vão. Mas também não fazia sentido. A tempestade era o que unia as pessoas daquela cidadela. O sol raiou. E agora? Agora é preciso recomeçar falou o menino a dois senhores sentados à sarjeta. A noite chegou e todos, ainda na rua, pareciam perdidos. Na manhã seguinte, novamente o sol. E ele durou por ainda oito meses radiante e muito quente. Não bastou. Ainda que inconscientemente, todos aguardavam ansiosos por uma nova tempestade que pusesse fim àquela angustia da distância. E finalmente a tempestade chegou, fechando portas, trazendo poeira, arrebentado os lares, com a força mais pura da natureza. Só assim pode-se ter certeza de que os tempos de sol também poderiam ser proveitosos e que havia uma intensa contradição na vida de cada um daqueles que ja não mais habitavam o lugar dos pensamentos.
Por BSB.
18.03.2012

sexta-feira, 9 de março de 2012

o que ficou entre o passado e o presente


O livro permaneceu intocado por alguns minutos
e Elle percebeu-se acordada
novamente de volta ao presente
sabe-se lá aonde estava.
Foi como se o próprio livro tivesse criado uma história a parte
e sem querer, Elle havia voltado ao passado.
Lembrou daquela época na qual viveu o mesmo presente.
E eu lhe perguntei: mas você e esse passado, nunca foram tão próximos, não é?
No olhar de abismo, d'um lugar que não era nem presente, nem passado..
ela disse: na realidade, foram tantos não-ditos, murmúrios silenciados e olhares velados, que esse passado ficou suspenso,
nunca acabado.
E suspenso numa realidade, ele não se assentou
E então ele pertence a dois mundos, ficou sem morada
Assim que, por vezes, o presente é passado...
e o passado é o presente que nunca se concretizou.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Labaredas




O sol do dia já havia cedido lugar à noite, mas a escuridão não conseguiu esconder o brilho daquela meia lua que cresceu no céu, iluminando todo o espaço no qual ela havia sentado. Ela, elle, tão comum que de fato lhe chamavam de aquela menina, mas ao mesmo tempo tão
única que poucos conseguiram penetrar por detrás do olhar incógnita que fascinava e causava certa inquietação.
Naquela noite, ela só queria ver o verde da mata que, à sua frente, queimou ardorosamente, até que seus próprios olhos viraram labaredas de fogo.
Foi aí que a lua feiticeira, repleta dos encantos d-ela, deixou-se cobrir pelo manto das pesadas nuvens negras. E o céu respondeu com fogo e água. Trovejou, relampejou. Mas ela nada via do dia claro que se formou em noite, tão cega das chamas daquela mata verde ao seu redor. Ela apenas sentia o início do frescor das gotas que delicadamente caiam do alto
e escorriam pelo seu corpo.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Em homenagem ao A. pela conversa de hoje.
Porque me permitiu, se não se importam, um link com o livro de P.
Nem a perfeição, nem tampouco a verdade existem.
Mas aí está o ponto legal (pelo menos eu me convenço disso).
Busco a perfeição, cada dia mais, mesmo sabendo que à ela não chegamos,
assim como a ciência busca a verdade, embora à ela apenas se aproxime.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Fome demais



E anda com tanta fome...

Fome de literatura, fome de poesia, fome de aventura e fome de melodia.

E anda com fome de partir, fome de viajar, fome de sentir, fome demais para acordar.

E anda com fome de se despir, de imaginar, de não controlar, de cair.

Fome de cair caindo, de deixar o vento segurar, o coração palpitar, o medo superar.

Fome dessa gravidade, que para sentir, não ter idade.

Fome de não querer apertar o botão, só quando quase atingir o chão.

E daí, fome de tocar a terra molhada, fome do sereno que cai durante a madrugada.

Fome de deitar na relva, sob a luz do luar. Fome de sentir na pele, fome de aliviar.

E essa fome de sonhar acordada, de olhar para o nada.

Fome demais, até ficar breve...

domingo, 17 de abril de 2011

“- Sabe.. eu ainda tenho vontade de viver aquela história de novo.”. Ela me disse.

.

- E por que não?

.

“- Ah.. já ficou no passado. Acho que agora eu poderia viver ela de uma forma mais madura. Com toda a podridão, se eu pudesse voltar atrás, ou melhor.. começar de novo.. Porque acho que hoje eu viveria sem aquela cegueira da paixão e, ainda assim, sedentamente, com uma sede de paixão sem fim.”.

terça-feira, 12 de abril de 2011

O funil(a)


Uma conversa a três a respeito, nos desculpem o pleonasmo, do funil que afunila. Que afunila cada vez mais, ao ponto de um dia, talvez à contragosto, não passar nem uma gota d'água rubra com gosto. Azeda, azeda essa ideia que de, tão só, evapora a gota que pelo funil não desce. Se desvanece. Conversam a música, o aroma e o sabor. Conversam a solidão, a ausência e a vontade de potência. Conversam sobre isso que é e não é. Sobre um futuro que, de tão longe, é sentido ao lado. O futuro que mora ao lado. Conversam sobre o que pode ser e o que virá a acontecer. E daí tentam transformar tudo o que falam no não entendível, no não audível, na falta. Pois a melodia invadiu e tornou tudo um vácuo, em espaço branco que, de tão branco, não é relativo e não se sabe branco.

segunda-feira, 7 de março de 2011



Não há coisa alguma que persista em todo o Universo. Tudo flui, e tudo só apresenta uma imagem passageira. O próprio tempo passa com um movimento contínuo, como um rio... O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma coisa nova. Vês a noite, próxima do fim, caminhar para o dia, e à claridade do dia suceder a escuridão da noite... Não vês as estações do ano se sucederem, imatando as idades da nossa vida. Com efeito, a primavera, quando surge, é semelhante à criança nova... a planta nova, pouco vigorosa, rebenta em brotos e enche de esperança o agricultor. Tudo florece. O fértil campo resplandece com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas. Entra, então, a quadra mais forte e vigorosa, o verão: é a robusta mocidade, decunda e ardente. Chega, por sua vez, o outono: passou o fevor da mocidade, é a quadra da maturidade, o meio-termo entre o jovem e o velho; as têmporas esbranquecem. Vem, depois, o tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos ou caíram como as folhas das árvores, ou, os que restaram, estão brancos como a neve dos caminhos. Também nossos corpos mudam sempre e sem descanso... E também a natureza não descansa e, renovada, entra outras formas nas formas das coisas. Nada morre no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados... todos os seres têm sua origem noutros seres. Existe uma ave a que os fenícios dão o nome de fênix. Não se alimenta de grãos os ervas, mas das lágrimas do incenso e do suco da amônia. Quando completa cinco séculos de vida, constrói um ninho no alto de uma grande palmeira, feito de folhas de canela, do aromático nardo e da mirra avermelhada. Ali se acomoda e termina a vida entre perfumes. De suas cinzas, renasce um pequena fênix, que viverá outros cincos séculos... Asim, também é a natureza e tudo o que nela existe e persiste.
(Ovídio - Metamorfoses, de que eu aprendi a gostar com Pandora).