sábado, 31 de julho de 2010


De manhã escureço

De dia tardo

De tarde anoiteço

De noite ardo.


A oeste a morte

Contra quem vivo

Do sul cativo

O este é meu norte.


Outros que contem

Passo por passo:

Eu morro ontem

Nasço amanhã

Ando onde há espaço:

– Meu tempo é quando.


(Vinícius de Moraes, NY, 1950)

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O Pequeno Príncipe - Le Petit Prince - The Little Prince - El Principito

Assim como Antoine de Saint-Exupéry, em seu livro O pequeno príncipe, dedico este [...] para todas as crianças que os adultos de hoje já foram, para todos os que conservam a criança latentemente dentro de si e que conseguem compreender o universo infantil. [...]

Somente o mundo infantil pode colorir a vida com a poética das cores do arco-íris, transformando o cinza e o pálido em criatividade e felicidade. Somente o mundo infantil de amor pode humanizar o humano; fazer da solidão, a convivência na dignidade e no respeito; fazer do ser humano, adulto e criança, repleto de sensibilidade de vida.

O uni-verso adulto é marcado pela rigidez do pensamento, pela inamovibilidade, pela precisão e construção de verdades. Contudo, quando despertarmos a criança que habita em cada um e nós, permitimo-nos penetrar nos mistérios do novo e sonhar sonhos inimagináveis. Só a pureza ingênua faz-nos olhar para uma rosa e não ver uma rosa, mas uma possibilidade de novidade, o dar-se conta de uma poesia. A arte de viver a vida em prosa. O sentir verdadeiro. Não se sente simplesmente com a visão ou com a mão, sente o ser inteiro. Afinal, quem lê o livro compreende: o essencial é invisível aos olhos.

De um mundo de criatividade, um não-mundo, uma criança-príncipe chega a Terra, em meio à solidão do deserto do Saara. Com sua pureza, desarma o veneno da serpente para dar-se conta da solidão do mundo dos homens, solidão essa que cada um carrega dentro do próprio coração, tornando-o devastadoramente mais árido do que a própria aridez do deserto. Esses homens não se fixam, não criam laços intersubjetivos, não criam raízes como as flores. O vento os levam como levam as sementes de polinização.

A obra grita um desespero mudo, a angústia em busca de uma ruptura para a alegria, que só pode ocorrer com a total incorporação do pluri-verso infantil no uni-verso no qual habitamos e queremos viver. De pensamento rigoroso, o livro é coerente ao mesmo tempo que é paradoxalmente dividido entre a profunda solidão e a vontade criativa da ingenuidade. Sob o signo da morte e asfixiado pela guerra, o mundo de Saint-Exupéry busca, em uma caixa de aquarelas, a plena realização da vida. Enfim, nasce o pequeno príncipe, uma criança loura e portadora da alegria.

(29.07.2010)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Un año y medio de puntilla para los toros en Cataluña


El 1 de enero de 2012 entra en vigor la ley que prohíbe las corridas en Cataluña.- Los taurinos tratarán de evitar que la prohibición sea una realidad; los antitaurinos lucharán para que se cumpla la norma(para ler o restante do artigo: www.elpais.com).


Fernando Savater (29.07.2010) - Vuelve el Santo Oficio:

Por supuesto, no es el caso presentar argumentos a favor o en contra de mantener las corridas de toros, como suele decirse: quienes tienen que justificar la insólita medida son los que han decidido prohibirlas parlamentariamente. Hay gente a la que le gustan los toros y otros muchos que no han pisado una plaza en su vida o que sienten repugnancia por la fiesta: es la diversidad de los hijos de Dios. Pero que un Parlamento prohíba una costumbre arraigada, una industria, una forma de vida popular... es algo que necesita una argumentación muy concluyente. La que hemos oído hasta la fecha dista mucho de serlo.

¿Son las corridas una forma de maltrato animal? A los animales domésticos se les maltrata cuando no se les trata de manera acorde con el fin para el que fueron criados. No es maltrato obtener huevos de las gallinas, jamones del cerdo, velocidad del caballo o bravura del toro. Todos esos animales y tantos otros no son fruto de la mera evolución sino del designio humano (precisamente estudiar la cría de animales domésticos inspiró a Darwin El origen de las especies). Lo que en la naturaleza es resultado de tanteos azarosos combinados con circunstancias ambientales, en los animales que viven en simbiosis con el hombre es logro de un proyecto más o menos definido. Tratar bien a un toro de lidia consiste precisamente en lidiarlo. No hace falta insistir en que, comparada con la existencia de muchos animales de nuestras granjas o nuestros laboratorios, la vida de los toros es principesca. Y su muerte luchando en la plaza no desmiente ese privilegio, lo mismo que seguimos considerando en conjunto afortunado a un millonario que tras sesenta o setenta años a cuerpo de rey pasa su último mes padeciendo en la UCI.

¿Son inmorales las corridas de toros? Dejemos de lado esa sandez de que el aficionado disfruta con la crueldad y el sufrimiento que ve en la plaza: si lo que quisiera era ver sufrir, le bastaría con pasearse por el matadero municipal. Puede que haya muchos que no encuentren simbolismo ni arte en las corridas, pero no tienen derecho a establecer que nadie sano de espíritu puede verlos allí. La sensibilidad o el gusto estético (esa "estética de la generosidad" de la que hablaba Nietzsche) deben regular nuestra relación compasiva con los animales, pero desde luego no es una cuestión ética ni de derechos humanos (no hay derechos "animales"), pues la moral trata de las relaciones con nuestros semejantes y no con el resto de la naturaleza. Precisamente la ética es el reconocimiento de la excepcionalidad de la libertad racional en el mundo de las necesidades y los instintos. No creo que cambiar esta tradición occidental, que va de Aristóteles a Kant, por un conductismo zoófilo espiritualizado con pinceladas de budismo al baño María suponga progreso en ningún sentido respetable del término ni mucho menos que constituya una obligación cívica.

¿Es papel de un Parlamento establecer pautas de comportamiento moral para sus ciudadanos, por ejemplo diciéndoles cómo deben vestirse para ser "dignos" y "dignas" o a que espectáculos no deber ir para ser compasivos como es debido? ¿Debe un Parlamento laico, no teocrático, establecer la norma ética general obligatoria o más bien debe institucionalizar un marco legal para que convivan diversas morales y cada cual pueda ir al cielo o al infierno por el camino que prefiera? A mí esta prohibición de los toros en Cataluña me recuerda tantas otras recomendaciones o prohibiciones semejantes del Estatut, cuya característica legal más notable es un intervencionismo realmente maníaco en los aspectos triviales o privados de la vida de los ciudadanos.

En cambio no estoy de acuerdo en que se trate de una toma de postura antiespañola. No señor, todo lo contrario. El Parlamento de Cataluña prohíbe los toros pero de paso reinventa el Santo Oficio, con lo cual se mantiene dentro de la tradición de la España más castiza y ortodoxa.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

To Sir, with love

"Escólio 2. A AuP marca tão fortemente todos os aspectos da relação de comunicação pedagógica que essa relação é freqüentemente vivida ou concebida sobre o modelo da relação primordial de comunicação pedagógico, isto é, a relação entre pais e filhos ou, mais geralmente, entre gerações. A tendência a reinstaurar com toda pessoa investida de uma AuP a relação arquétipa com o pai é tão forte que aquele que ensina, por mais jovem que seja, tende a ser tratado como pai. [...] e Freud: 'Nós compreendemos agora nossas relações com nossos professores. Esse homens, que não eram pais eles mesmos, tornavam-se para nós substitutos [...]".
(Bourdieu; Passeron)




Ela lhe acompanhou,
lhe contou histórias.
Ele lhe mostrou que um outro mundo é possível,
uma terra do
nunca,
ensinou a
voar.
Depois que sentiu a perda,
se arrep
endeu.
Volt
ou.
Não era mais possível.
Ele se recusou a crescer.
Ela imaginou mundos.
Voa, voa.


sábado, 24 de julho de 2010

Tango




A noite fria de inverno foi invadida pelo sentimento de calor que emanava de dentro do ainda vazio lugar. O breu. Algumas mesas e cadeiras que antes estavam milimetricamente arrumadas, o vazio, o silêncio. A adega já quase silente do que passou. A la media luna, ela começou a suavemente descer as escadas caracol. Uma perna após a outra num momento infinito que recusava-se a passar. Os cabelos loiros bagunçados tocavam-lhe os ombros enquanto ela segurava o chapéu perdido em frente ao rosto. Um meio olhar para fora. Ele entrou. O tango. A criação da ilusão da melancolia poética. Tudo em sintonia para o sentimento da futura perda já tão certa e nunca aceita. Uma ausência que não foi esquecida, mas que tampouco está na memória. As dores apagadas pelo vinho que não consegue completar a falta. A melodia portenha invadiu o salão, penetrou na pele dos que, ainda fora, assistiam a dramaticidade da dança do sofrimento. O fascínio. Os movimentos na intensidade do momento. O canto do amor que não se deu. Uma tentativa. Um lugar del sur.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Julio Cortázar - Rayuela



"Toco tu boca, con un dedo toco el borde de tu boca, voy dibujándola como si saliera de mi mano, como si por primera vez tu boca se entreabriera, y me basta cerrar los ojos para deshacerlo todo y recomenzar, hago nacer cada vez la boca que deseo, la boca que mi mano elige y te dibuja en la cara, una boca elegida entre todas, con soberana libertad elegida por mí para dibujarla con mi mano en tu cara, y que por un azar que no busco comprender coincide exactamente con tu boca que sonríe por debajo de la que mi mano te dibuja. Me miras, de cerca me miras, cada vez más de cerca y entonces jugamos al cíclope, nos miramos cada vez más de cerca y los ojos se agrandan, se acercan entre sí, se superponen y los cíclopes se miran [...]"

(Rayuela)

... perdendo-me no jogo da amarelinha... Pero el amor, esa palabra... Mas na desordem... movimientos vivos, el dolor es dulce, y un silencio...

segunda-feira, 19 de julho de 2010




Ela: talvez uma análise te faria bem para encontrar o centro da gangorra

L: "quotando" Gaga.. pavor de terapia; não quero estragar minha criatividade.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Abertura das gavetas




Desespero hilariante. Confrontando-me com fantasmas. Abertura das gavetas. Confusão. O nada engloba o todo. Despindo-me no ar gélido e in(v)ernal. Qualquer outro lugar seria um não-lugar. Não se pode fugir do espelho refletor da própria mente. Um sem-fim...
(17.07.2010 - 00:00)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Depois de uma decisão dessas, o véu de Rawls para quem?

(Reuters - Stephane Mahe)


Aprovado, com trezentos e trinta e cinco votos contra um, o projeto de lei que interdita o uso do véu islâmico em espaços públicos. O texto legal foi aprovado pela direita (UMP e “Novo Centro”) e apenas vinte deputados da esquerda. Em setembro o texto irá para a aprovação pelo senado. E agora, quem porta o véu da ignorância para escolher, nessa posição originária, supostos princípios de justiça? Véu tampa os olhos de quem?

“[...] Il interdit de fait le port du niqab ou de la burqa dans tout l'espace public, sous peine d'une amende de 150 euros ou d'un stage de citoyenneté, peines qui peuvent se cumuler. Les sanctions entreront en vigueur au printemps 2011, après six mois de "pédagogie". [...] D'abord résolument hostile à légiférer sur un phénomène "marginal" (environ 2 000 femmes, selon le gouvernement), il plaide désormais, en s'appuyant sur les réserves émises par le Conseil d'Etat, pour une interdiction circonscrite aux services publics et aux commerces. Donc pas dans la rue. [...]”
(Para ler o artigo na íntegra: www.lemonde.fr/politique)

terça-feira, 13 de julho de 2010

O erótico, o pornográfico e a arte

(O beijo - Rodin)

Os órgãos genitais feminino e masculino podem ser mostrados em revistas, no cinema e em galerias. Pode ser arte? Sim, pode. E se esses órgãos estiverem em funcionamento, no ato sexual? Isso é arte? Pode ser. A pornografia pode ser arte. Não é exclusividade do que é erótico ter o direito de ser arte, jogando o pornográfico para fora dessa área.

Mas, e se a mostra dos órgãos sexuais forem algo que foge do que todos, todos mesmo, consideram belo, ainda assim é arte? Sim, pode ser arte. Como Arthur Danto tem enfatizado: no mundo contemporâneo a beleza foi para um lado, a arte para o outro. Não é pelo que é “belo”, com consenso ou não, que se diz que algo é arte após Warhol e Duchamp.[1]

Mas, se é assim, se não é pela ligação ou não com a arte, ainda não há a diferença entre ambos – o erótico e o pornográfico –, a partir da mostra ou não dos órgãos genitais, então, o que os distingue na medida em que se está falando em arte erótica? Qual a razão de Roger Scruton distinguir o erótico do pornográfico a partir da idéia de que no segundo caso há a presença clara dos órgãos sexuais à mostra, enquanto que no primeiro caso isso não ocorreria? Bem, no livro Sexual Desire, Scruton fala isso, mas atenua tal colocação dizendo que no segundo caso, a mostra dos órgãos sexuais aparece para induzir à atividade masturbatória. No limite, não é algo para o compartilhamento.[2] É algo que se sustenta para uma finalidade pouco estética – no sentido kantiano do termo estética, isto é, o que é admirado e causa prazer sem causar interesse.

Mas, então, diante dessas colocações, como é que distinguimos filosoficamente a arte erótica da pornografia? E para que fazemos isso?

Que a filosofia bote o bico nisso e ajude a encontrar distinções atinentes à filosofia entre o que é o erótico e o que é o pornográfico não é perda de tempo. Fazemos isso para evitarmos que tais distinções se realizem de modo grosseiro, antes pela política e pela polícia do que pelo exercício de nossos poderes racionais melhores. E depois de feito isso, no meu caso, tenho também de aproveitar da distinção para exigir que ambos – o erótico e o pornográfico – tenham espaço e liberdade na sociedade, ainda que possam ocupar lugares distintos. Digo “no meu caso” porque estou convencido que não gostaria de morar em uma sociedade com censura.

(por Paulo Ghiraldelli Jr.)

Obs. a continução em comentários.

sábado, 10 de julho de 2010

Gente como a gente


Gosto de gente complexa, contraditória, que assume a própria ambivalência.
Gosto de gente que se sabe imperfeito. Não existe perfeição. Quanto mais se chega perto do ideal(izado), já não mais é. E vai, vai, vai.
Gosto de gente que assume a loucura do ser, que ostenta a insanidade poética de viver.
Gosto de gente que sonha, que deseja, de coração, de corpo e alma. Por inteiro, mesmo que por um momento.
Gosto de quem se expõe. De quem luta pelo que quer. Isso é ética.
Gosto de que supera o medo, de gente que se arrisca no desconhecido.
Gosto de gente que exerce a liberdade consciente da responsabilidade.
Gosto da coragem que advém da fraqueza.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Talvez não a Théo

(Van Gogh)
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“[…] Só aprovo princípios e os julgo dignos quando eles se traduzem em atos. [...] eu os prefiro àqueles que ficam espalhando seus princípios sem fazer o mínimo esforço e nem sequer imaginar colocá-los em prática. [...] O que é desenhar? Como o conseguimos? É a ação se abrir-se um caminho através de um muro de ferro invisível, que parece encontrar-se entre o que sentimos e o que podemos. Como atravessar este muro, já que de nada serve golpeá-lo com força?”
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(Cartas a Théo)
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Querid@s amig@s, a partir de hoje, todos os comentários serão aceitos, porém moderados. O texto, para tocar na alma e no corpo, tem que ter sujeito. Caso contrário, torna-se apenas circular, retórico e vazio. Os comentários, de igual forma, também. Comentários não assinados não serão postados. Espero a compreensão.
Abraços, L.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O Rumo e o acaso

-Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui? - perguntou Alice.
-Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato.
-Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice.
-Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas - replicou o gato.
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(Lewis Carroll)

terça-feira, 6 de julho de 2010

Gregor Samsa


A percepção de um cotidiano vivido na castração dos sonhos só pode ser perceptível por meio de uma ruptura. Uma ruptura entre o passado da vida não-vivida e um futuro de esperança, entre a alienação e a vontade de mudança, entre a negação e o desespero. A ruptura não necessariamente decorre de um grande acontecimento mas, sobretudo, de um dar-se conta, tal como ocorreu com o caixeiro viajante Gregor Samsa.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Miedo

(Kush - Western Passage - Watercolor on Arches paper)
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"Tienen miedo del amor y no saber amar
Tienen miedo de la sombra y miedo de la luz
Tienen miedo de pedir y miedo de callar
Miedo que da miedo del miedo que da
Tienen miedo de subir y miedo de bajar
Tienen miedo de la noche y miedo del azul
Tienen miedo de escupir y miedo de aguantar
Miedo que da miedo del miedo que da
El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor"
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(Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis)

domingo, 4 de julho de 2010

Me invade o suspense;
mas meu coração,
não me pertence.
Há pouco tempo,
foi roubado;
por alguém que estava ao lado,
que não tem conhecimento,
do meu sentimento,
mas inunda-me de paixão,
me faz viver em uma ilusão,
ainda não compartilhada,
com a pessoa amada.

Ao anonimato

Surpreendente é o anonimato;
apaixonante é a poesia;
mas sublime, a curiosidade;
de saber a verdade;
nessa doce melodia.
Quem é o estrangeiro;
que faz das palavras, alegria;
e num nevoeiro;
esfumaça a visão;
que faz das tripas, coração;
e traz consigo a dúvida cruel;
embora doce feito mel;
que invade o pensamento;
inteiro, nesse momento.

sábado, 3 de julho de 2010

Coração Selvagem

"[...] Falaremos para a vida: 'Vida, pisa devagar meu coração cuidado é frágil;
Meu coração é como vidro, como um beijo de novela'
Meu bem, talvez você possa compreender a minha solidão
O meu som, e a minha fúria e essa pressa de viver
E esse jeito de deixar sempre de lado a certeza
E arriscar tudo de novo com paixão
Andar caminho errado pela simples alegria de ser
Meu bem, vem viver comigo, vem correr perigo , vem morrer comigo
Talvez eu morra jovem, alguma curva no caminho, algum punhal de amor traído, completara o meu destino [...]"

(Coração Selvagem - Belchior)

quinta-feira, 1 de julho de 2010


Psicanálise e feminilidade







"Na feminilidade se conjugariam as diversas operações, indicadas esquematicamente antes pela nova metapsicologia freudiana. Posterior à viragem dos anos 20, esta foi preparada, contudo, pela desarticulação da noção de força pulsional do mundo dos representantes e da visibilidade, enunciada em 'As pulsões e seus destinos' (Freud. Pulsions et destins de pulsions). A femilinidade seria, assim, o ponto de chegada de um movimento bastante complexo do pensamento freudiano que, da pulsão de morte e de angústia do real, realizaria finalmente um esboço do sujeito marcado pelo trauma e pelo masoquismo erógeno, como engendradores fundamentais das formas de subjetivação. Com isso, a feminilidade enquanto sublime ação indicaria as potencialidades humanas para a erogeneidade e para a experiência da criação, na qual se reconheceria implicitamente que a subjetividade seria, pois, imperfeita, incompleta, inconclusa e finita. Enquanto potência de devir e de vir-a-ser, o sujeito seria, enfim, sempre algo tosco e rude, marcado que seria pela pouco nobre carnalidade e fadado ao permanente e insistente recomeço de sua existência.
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Pensar, pois, a feminilidade como a origem e o originário so sujeito, como território inaugural do erotismo, é fazer um giro de 180 graus em relação ao paradigma do masculino como originário, que marcou o pensamento ocidental desde os gregos e o cristianismo até à modernidade. Além disso, é colocar também nas suas devidas dimensões e poder reconfigurar alguns valores que obcecam nosso imaginário, quais sejam, as noções de perfeição, completude e beleza. Portanto, a feminilidade como origem nos permite também dimensionar devidamente o lugar estratégico atribuído à figura do falo na tradição psicanalítica pós-freudiana e no discurso freudiano sobre a sexualidade humana. Enfim, enquanto pólo alteritário do psiquismo, a feminilidade permitiria também relativizar o lugar do falo na erogeneidade humana e nos descaminhos do desejo, redefinindo então as trilhas de sua errância".

(Birman, Joel)

Gramáticas do erotismo: a feminilidade e suas formas de subjetivação em psicanálise