quarta-feira, 12 de maio de 2010

Espelho do não-eu


Procurei em vão, no céu, uma única estrela a brilhar. Tempo nublado. Chove. Finas gotas de lágrimas da negação infantil refletiram na luz emanada dos postes da beira-mar. Procurei qualquer outra magia que me fizesse acordar. Nada. Sem parar de pensar. A urgência em escrever para nenhuma de minhas reflexões se perder, foi adiada. Trânsito lento parecia não se movimentar. Lembrei-me que tinha uma caneta dentro da bolsa e um bloco de papel no banco ao lado. Não me permiti cometer qualquer imprudência. Nunca pude suportar a idéia de ver a vida passar como um filme, sentar-me em uma poltrona, observar, transformar-me em expectador. Urge em mim a angustiante vontade de provar tudo o que é vida, tudo o que se manifesta como beleza. A ânsia de viver intensamente todos os momentos finda por corroer-me internamente, deixando-me dividida entre o que já foi e o que será e, mais ainda, entre o ser e o nada. Seja na tristeza ou na alegria, necessito doar-me por completo nas incertezas da emoção. Mas não seria entrar em uma guerra contra o eu, autosabotar a projeção ideal de alegria, o depender da aceitação não-manifestada do outro, nesse incessante jogo de relações intersubjetivas, para enfim poder ocorrer o doar? Ou insistir-se na infundada procura por complemento ao que nunca nesse jogo simbiótico poderá tornar-se completo? Entender os sonhos, então, como utopias que, embora inalcançáveis, guiam nossas ações práticas ao que buscamos idealmente ou como uma negação da vontade-de-viver? Viver-se-ia nos e por meio dos sonhos, negando-se a viver no real, embora nunca se possa saber o real. A liberdade que sempre se faz presente no momento de escolha, mesmo quando não se vislumbra caminhos diversos? Quais caminhos? No ciclo ininterrupto da história forjada, já não mais sabia se a realidade é a que fora a desejada. O papel criado, interpretado, nunca foi internalizado. No escuro, na frente do espelho, o que via era o não-eu. Nada mais angustiante do que perder uma ilusão.

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