domingo, 13 de junho de 2010

Autopsicografia


"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.'
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E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
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E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração."
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(Fernando Pessoa, 1958)

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Metalinguagem, kantianamente imanente, um além-texto que só pode ser apreendido a partir do próprio texto. Auto-psicografia. Um para-si e um para-outro. Um dois em um: o que psicografa e o que é psicografado. Tudo converge no um, o auto.
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Um de dimensão inacessível e outro tangível. É poético, é texto. Um é fumaça, é sensibilidade, é poesia da alma e do corpo. O outro é traduzir a vontade em possibilidade, é dar corpo a linguagem.
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É simétrico. Padrão métrico. Doze versos em três quartetos de rimas alternadas. Cada estrofe como um período finito e concluso, excetuada a passagem do novo para o décimo verso. Ahhh.. invoco então o professor da sociedade dos poetas mortos.
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Que se rasgue o fato de que a estrutura sintática coincide com a métrica. De que serve uma métrica? De que serve a regularidade que se mostra sob pretensa racionalidade? Invoco o arrepio, o poético e o poemático. Invoco versos escritos, versos falados, versos cantados. Invoco o sentimento, a identificação, a dor sentida, a dor vivida, a dor sonhada, a dor querida, a dor fingida, a dor partida. Invoco a alegria, a melancolia, o êxtase de um supremo momento em que as palavras criam um novo mundo. Um mundo em si. No outro. Só existe o texto. O mundo no texto. O texto cria um mundo. O eu no texto, o texto no eu.
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E por falar em leitores, onde andam vocês? Leitores do que não é, leitores da criação. Mansamente, chegam na segunda estrofe para bagunçar a suposta convergência de idéias do poeta que unifica a criação. Leitores que frente ao texto aparentemente singularizado de potencialidades, pluralizam as possibilidades. Aí então, o leitor se torna poeta de uma nova ilusão.
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L. em busca do si, recém vinda do rancho do Neco...

Um comentário:

  1. Os leitores estão escondidos: entram, espiam, inspiram-se, e saem, sem fazer barulho(para não atrapalhar a poesia...).
    Bjs. Sandro

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