segunda-feira, 3 de maio de 2010

Por um manifesto inflexivo: um mundo instituinte de pessoas e de diferentes culturas

Reiventar é uma tarefa coletiva, já dizia Paulo Freire. Os Direitos Humanos surgiram na sociedade ocidental, no marco da Guerra Fria, como resposta às reações social-filosóficas da expansão global do novo modo de produção baseado na acumulação capitalista. No contexto de descolonização e política pública interventora no mercado, formulou-se juridicamente a base mínima de direitos, previstos em textos internacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948. Com a queda do muro de Berlin e a paralisação das medidas interventoras estatais, passou-se, inexoravelmente, de economia de mercado à sociedade de mercado. Do Estado político bemfeitor e economia keyneisiana, desde os anos 70, às teorias neocontratuais da ordem capitalista, impedindo qualquer política de redistribuição social de renda.
No marco do neoliberalismo, novo contexto social, político e econômico, os direitos humanos não podem mais ser entendidos sob a legitimação tradicional e hegemônica que confunde os planos da realidade e da razão, sob pena de admiti-los como universais e alcançados, retórica lógica simplista: supor-se-ia os direitos como o simples direito a ter direitos. Sob a falácia de sua universalização, a única coisa que se universaliza é a miséria e o desrespeito sistemático da dignidade humana, através de um macabro processo de justificação ideológica que naturaliza o sofrimento humano e renega quase a totalidade da população mundial à indiferença e ao esquecimento. O que se faz, precisamente, é criar vítimas apagadas e invisíveis.
Não obstante a importância dos textos normativos para a garantia dos direitos humanos, construídos a partir de lutas sociais, estes não podem ser reduzidos aos textos, visto que direitos não criam direitos.
Não há nada natural, também dizia Paulo Freire, pois o mundo não “é”, ele está “sendo”. Entender os direitos humanos como algo natural, alcançado e imutável apenas implica em passividade e reprodução cíclica da violência invisível justificadora do modo de produção capitalista. O que é naturalmente humano é a capacidade de fazer e desfazer mundos, é a capacidade de se rebelar. A única coisa que pode ser universalizada é a dignidade humana.
Sob o manto de direitos humanos, o que se busca é a sua reinvenção, potencializando todas as pessoas na construção de um mundo livre, sem opressão, exploração, colonialismo ou imperialismo.
Como principal desafio do século XXI, os direitos humanos devem ser entendidos como processos de lutas pelo acesso igualitário aos bens materiais e imateriais a uma vida digna de ser vivida. Isso, porque, não obstante os textos normativos disporem que todos os seres humanos têm direitos, paradoxalmente, aumentam-se cada vez mais as desigualdades sociais e a reprodução da miséria. Luta-se, social e politicamente, porque todos e todas necessitam ter o acesso aos meios para lutar plural e diferenciadamente pela sua concepção de dignidade humana.
Por meio de uma teoria realista e crítica, rechaça-se qualquer pretensão universalista abstrata, pois somente pode existir o universalismo de chegada, de constrastes e entrecruzamentos, completamente contaminado pelo contexto no qual está inserido. Os direitos humanos são, portanto, o resultado, sempre provisório, das lutas pelo acesso igualitário e não hierarquizado por processos de divisão do fazer humano, que tem como única pretensão universalizar a vida digna de ser vivida, criando um mundo instituinte de pessoas e povos de diferentes culturas.

Um comentário:

  1. Cada vez mais raros os textos em que forma e conteúdo convergem, indissociáveis, num resultado tão bom.
    Tio Herrera leria com brilho nos olhos!

    ResponderExcluir