quinta-feira, 1 de julho de 2010

Psicanálise e feminilidade







"Na feminilidade se conjugariam as diversas operações, indicadas esquematicamente antes pela nova metapsicologia freudiana. Posterior à viragem dos anos 20, esta foi preparada, contudo, pela desarticulação da noção de força pulsional do mundo dos representantes e da visibilidade, enunciada em 'As pulsões e seus destinos' (Freud. Pulsions et destins de pulsions). A femilinidade seria, assim, o ponto de chegada de um movimento bastante complexo do pensamento freudiano que, da pulsão de morte e de angústia do real, realizaria finalmente um esboço do sujeito marcado pelo trauma e pelo masoquismo erógeno, como engendradores fundamentais das formas de subjetivação. Com isso, a feminilidade enquanto sublime ação indicaria as potencialidades humanas para a erogeneidade e para a experiência da criação, na qual se reconheceria implicitamente que a subjetividade seria, pois, imperfeita, incompleta, inconclusa e finita. Enquanto potência de devir e de vir-a-ser, o sujeito seria, enfim, sempre algo tosco e rude, marcado que seria pela pouco nobre carnalidade e fadado ao permanente e insistente recomeço de sua existência.
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Pensar, pois, a feminilidade como a origem e o originário so sujeito, como território inaugural do erotismo, é fazer um giro de 180 graus em relação ao paradigma do masculino como originário, que marcou o pensamento ocidental desde os gregos e o cristianismo até à modernidade. Além disso, é colocar também nas suas devidas dimensões e poder reconfigurar alguns valores que obcecam nosso imaginário, quais sejam, as noções de perfeição, completude e beleza. Portanto, a feminilidade como origem nos permite também dimensionar devidamente o lugar estratégico atribuído à figura do falo na tradição psicanalítica pós-freudiana e no discurso freudiano sobre a sexualidade humana. Enfim, enquanto pólo alteritário do psiquismo, a feminilidade permitiria também relativizar o lugar do falo na erogeneidade humana e nos descaminhos do desejo, redefinindo então as trilhas de sua errância".

(Birman, Joel)

Gramáticas do erotismo: a feminilidade e suas formas de subjetivação em psicanálise

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