terça-feira, 17 de agosto de 2010

O andar no terceiro andar

O silêncio calmo do pós-almoço foi quebrado pelo tilintar dos saltos agulha dos sapatos negros de camurça que, um a um, tocavam o gélido piso claro do terceiro andar e faziam eclodir um barulho metálico, téc téc téc, criando uma melodia harmônica a quem observava. O relógio se considerava senhor do tempo, marcando poucos minutos para soar as badaladas das três horas e a recusa na demora em se mover apenas se perdia ante a grandeza do céu azul que mais se assemelhava a um oceano infinito e majestático. Os passos, cada vez mais velozes, tornavam a melodia em valsa e tentavam deixar o tempo para traz. Não. O relógio transformado em tartaruga a nadar no oceano celeste. E ela poderia simplesmente adiantar ou atrasar os ponteiros. E o tempo, esse algo de consolo humano, continuaria talvez igual. Um pouco mais. Um pouco menos. Talvez um pouco mais para a direita, se uma onda surgisse junto às nuvens. Mas ela apenas continuou a caminhar-dançando com rapidez. Chegou ao final do corredor e procurou qualquer lugar que lhe permitisse deixar a bolsa, livrando-na do peso que machucava os delicados braços translúcidos encobertos por um grosso casaco. A bolsa ficou em qualquer lugar. Um lugar nenhum. Talvez fechada. Talvez aberta, deixando à mostra todo o conteúdo de sua personalidade. Uma desordem de objetos pessoais que, para ela, nada tinham de bagunça. Ela não sabia o que era ordem outra para além de sua própria des-ordem na qual vivia. Nada fazia sentido algum e, por isso mesmo, fazia mais sentido do que qualquer outra coisa, todo o sentido do mundo. E nenhum desses pensamentos cantou em sua cabeça. O passarinho ainda estava no ninho. Ainda não havia aprendido a voar. Seu foco não foi quebrado. Ela sofria. Não transparecia. Apenas andava. Não se importava. Caminhou até a ponte-varanda para encostar-se, sem medo de desabar, no parapeito. Era o encosto necessário para alcançar o cigarro mentolado, guardado no bolso direito. A fumaça vaporosa entrava em seu corpo frio demoradamente, quase imperceptível a quem observava, dada a vermelhidão que coloria suas bochechas, conferindo um ar de felicidade inebriante. A fumaça mentolada brincava dentro de sua boca que mais parecia esconder uma criança chupando um pirulito e deixando sua língua suavemente doce. Escondia os grandes olhos tristes marcados por kohl preto. O sol encharcava os galhos secos outonais da árvore plantada a frente. Algumas folhas verdes que fingiam ser esmeradas piscando. Outras amarelas, quase caindo com o vento que soprava e mexia também em seus longos cabelos. O passarinho aprendeu a voar, talvez. Voavam os cabelos em seus ombros, rosto, escondiam seus olhos. E ela sofria em meio a alegria. E talvez ela pudesse ser eu. Ou eu ser ela. Ou talvez um eu-ela cujos olhos absorviam a luz solar e tornavam-se espelhos refletores do eu, ou do ela.

4 comentários:

  1. Esse post foi muito bom, que inspiração em, mais como sempre foi um bom post.


    do cigarro mentolado já entrega a pessoa


    hehe


    bjss

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  2. Valeu Cassiusito! Entrega, hmm.. maybe ;)

    bjsss

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  3. Era o encosto necessário para alcançar o cigarro mentolado, guardado no bolso direito.[2] Este trechinho me fez lembrar do sampoerna, único cigarro que fumo socialmente! hahah

    Belo post amiga! Como sempre, né!!!

    beijinhos e bom finfe amada :)

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  4. Juuuuuuuuuu, thank's amiga!!!! Bom findi pra ti também!!! As vezes a facul inspira literatura e não aula né! hehehe bjsssssss

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