terça-feira, 31 de agosto de 2010

Existencialismo: isso morde?



Acusado por comunistas de incitar o imobilismo no desespero, foi concebido em um conceito - fechado - de filosofia contemplativa. Acusado por católicos: enfatizar a ignomínia humana, o sórdido, a negação da solidariedade humana em um humano que, ao viver isolado em sua subjetividade, é incapaz de se relacionar em inter-subjetividade e alcançar o cogito. Negativa dos ensinamentos de Deus e valores inscritos na realidade. Mas o que é isso, o existencialismo? Isso morde? Para responder tais críticas, Sartre escreveu: O existencialismo é um humanismo. "[...] existencialismo como uma doutrina que torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda verdade etoda ação implicam um meio e uma subjetividade humana.".

"A maioria das pessoas que utilizam este termo ficaria bastante embaraçada se tivesse de justificá-lo: hoje em dia a palavra está na moda e qualquer um afirma sem hesitação que tal músico ou tal pintor é existencialista. Um cronista de Clartés assina o Existencialista. Na verdade, esta palavra assumiu atualmente uma amplitude tal e uma tal extensão que já não significa rigorosamente nada. Está parecendo que, na ausência de uma doutrina de vanguarda análoga ao surrealismo, as pessoas, ávidas de escândalo e de agitação, estão se voltando para esta filosofia, que, aliás, não pode ajudá-la em nada nesse campo; o existencialismo, na realidade, é a doutrina menos escandalosa e a mais austera; ela destina-se exclusivamente aos técnicos e aos filósofos. Todavia, pode ser facilmente definida. O que torna as coisas complicadas é a existência de dois tipos de existencialistas: por um lado, os cristãos – entre os quais colocarei Jaspers e Gabriel Marcel, de confissão católica – e, por outro, os ateus – entre os quais há que situar Heidegger, assim como os existencialistas franceses e eu mesmo. O que eles têm em comum é simplesmente o fato de todos considerarem que a existência precede a essência, ou, se se preferir, que é necessário partir da subjetividade. O que significa isso exatamente? [...] No século XVIII, o ateísmo dos filósofos elimina a noção de Deus, porém não suprime a idéia de que a essência precede a existência. Essa é uma idéia que encontramos com freqüência: encontramo-la em Diderot, em Voltaire e mesmo em Kant. O homem possui uma natureza humana; essa natureza humana, que é o conceito humano, pode ser encontrada em todos os homens, o que significa que cada homem é um exemplo particular de um conceito universal: o homem. Em Kant, resulta de tal universalidade que o homem da selva, o homem da Natureza, tal como o burguês, devem encaixar-se na mesma definição, já que possuem as mesmas características básicas. Assim, mais uma vez, a essência do homem precede essa existência histórica que encontramos na Natureza. [...] O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Afirma que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana. O que significa, aqui, dizer que a existência precede a essência? Significa que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define. O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. O homem é tão-somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que chamamos de subjetividade: a subjetividade de que nos acusam. Porém, nada mais queremos dizer senão que a dignidade do homem é maior do que a da pedra ou da mesa. Pois queremos dizer que o homem, antes de mais nada, existe, ou seja, o homem é, antes de mais nada, aquilo que se projeta num futuro, e que tem consciência de estar se projetando no futuro. De início, o homem é um projeto que se vive a si mesmo subjetivamente ao invés de musgo, podridão ou couve-flor; nada existe antes desse projeto; não há nenhuma inteligibilidade no céu, e o homem será apenas o que ele projetou ser. Não o que ele quis ser, pois entendemos vulgarmente o querer como uma decisão consciente que, para quase todos nós, é posterior àquilo que fizemos de nós mesmos. Eu quero aderir a um partido, escrever um livro, casar-me, tudo isso são manifestações de uma escolha mais original, mais espontânea do que aquilo a que chamamos de vontade. Porém, se realmente a existência precede a essência, o homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência. Assim, quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens. A palavra subjetivismo tem dois significados, e os nossos adversários se aproveitaram desse duplo sentido. Subjetivismo significa, por um lado, escolha do sujeito individual por si próprio e, por outro lado, impossibilidade em que o homem se encontra de transpor os limites da subjetividade humana. É esse segundo significado que constitui o sentido profundo do existencialismo [...]".

3 comentários:

  1. Juuuuuuu, quanto tempo! aparece! Bjss

    ResponderExcluir
  2. Gostei mto do texto. Mais, mas gostei principalmente do "extrato" inserto neste documento para a posteridade que afirma:
    "Eu quero aderir a um partido, escrever um livro, casar-me, tudo isso são manifestações de uma escolha mais original (...)" Mto Interessante!!!!

    Vou postar aqui de novo, este presentinho musical:
    http://www.youtube.com/watch?v=dqUdI4AIDF0&NR=1

    Espero que aprecie e dê um lindo sorriso (. .)!!!!
    P.S. Como estou no passado mês de setembro, vou avançar no tempo e " retornar" ao mês de outubro e te presentear de novo. Eu vi várias vezes. F.Karpa (pseudônimo) tb conhecido como homem, macaco, leão, hipopótamo, zebra, borboleta, vaga-lume, flor, árvore, aguá (em todas as suas manifestações), terra, éter, ar, relva, flamingo, jacaré, fogo, noite,dia, estrela, constelação, galaxy of emptiness (or of stars), and so on.

    ResponderExcluir